PLANTÃO 24 HORAS
O compartilhamento excessivo de informações e imagens de crianças nas redes sociais, prática conhecida como sharenting, tem gerado preocupação no mundo todo. Para enfrentar os riscos associados a essa tendência, foi proposto o Projeto de Lei nº 4776/2023, no Brasil, que busca regular essa prática e proteger a privacidade infantil na era digital.
O termo sharenting surge da união das palavras em inglês "share" (compartilhar) e "parenting" (criar filhos). Ele descreve o comportamento de pais e responsáveis que publicam de forma excessiva fotos, vídeos e informações pessoais de seus filhos nas redes sociais.
O termo apareceu pela primeira vez em 2012, em um artigo publicado pelo The Wall Street Journal, escrito por uma jornalista americana. Desde então, o conceito ganhou grande repercussão globalmente.
Essa prática, que parece inofensiva para muitos pais, pode expor as crianças a riscos graves, como violação da privacidade, roubo de identidade, cyberbullying e, em casos extremos, exploração indevida de imagens.
Embora o sharenting traga riscos, muitos pais não agem de forma negligente intencionalmente, mas sim por desconhecimento ou pela crença de que estão agindo de forma positiva para seus filhos.
Os principais argumentos de defesa dos pais em relação ao sharenting geralmente envolvem:
Liberdade de expressão - Compartilhar momentos familiares faz parte de seu direito à liberdade de expressão e que isso não deve ser restringido de forma exagerada.
Intenção afetiva e social - Celebrar conquistas e registrar memórias demonstra orgulho e carinho, além de manter familiares e amigos informados sobre o crescimento da criança.
Controle e autonomia familiar - O Estado não deve interferir em questões privadas da dinâmica familiar.
Benefícios potenciais – Compartilhar pode trazer benefícios para a própria criança, como oportunidades de trabalho (em casos de influenciadores mirins) ou o fortalecimento da autoestima.
O debate em torno do sharenting é multifacetado e complexo, envolvendo diversas perspectivas críticas e conflitos de direitos.
Violação da privacidade - O compartilhamento excessivo de informações e imagens de crianças online viola seu direito à privacidade, expondo-as a riscos como roubo de identidade, assédio e exploração.
Impacto na autonomia e identidade - Pode impactar negativamente a autonomia das crianças, que não têm controle sobre sua presença online. E a construção da sua identidade pode ser prejudicada pela exposição precoce e constante, com consequências para sua autoestima e bem-estar.
Riscos de segurança - A exposição online aumenta o risco de as crianças serem alvo de criminosos, porque as informações podem ser usadas para fins maliciosos.
Ser regularizado é diferente de se tornar um ato criminoso, são conceitos distintos no âmbito jurídico. A regularização do sharenting permite que compartilhar imagens e informações das crianças seja feito de forma lícita e segura.
Agora, se esse compartilhamento expuser a criança a humilhação, constrangimento ou sofrimento psicológico, os pais podem ser responsabilizados criminalmente por vexame ou constrangimento tipificados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O ECA protege as crianças contra qualquer forma de violência, incluindo violência psicológica e exposição a situações vexatórias.
Apresentado em agosto de 2023, o Projeto de Lei nº 4776/2023 é uma resposta direta à crescente preocupação com o sharenting. O texto propõe normas claras para que pais e responsáveis saibam o que pode ou não ser compartilhado envolvendo crianças.
Entre os principais pontos do projeto, destacam-se:
Educação parental - O governo deverá promover campanhas educativas para conscientizar pais e responsáveis sobre os riscos do sharenting e a importância de proteger a privacidade infantil.
Direito ao esquecimento digital - O projeto garante que jovens, ao atingirem uma idade adequada, possam solicitar a remoção de conteúdo que envolva suas imagens ou informações pessoais, promovendo autonomia e controle sobre sua própria identidade digital.
Definição de limites - A proposta também visa estabelecer critérios claros para diferenciar publicações consideradas apropriadas daquelas que ultrapassam os limites aceitáveis.
Apesar da boa intenção do Projeto de Lei, sua implementação enfrenta desafios importantes:
Fiscalização complexa - Com milhões de publicações sendo feitas diariamente nas redes sociais, monitorar conteúdo considerado inadequado será uma tarefa desafiadora.
Resistência cultural - Muitos pais ainda não enxergam o sharenting como um problema e podem interpretar essas medidas como uma interferência excessiva na vida familiar.
Por isso, especialistas defendem que campanhas educativas são fundamentais para que a população compreenda os riscos e os direitos das crianças no ambiente digital.
O Projeto de Lei precisa se harmonizar com legislações já existentes, como a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Marco Civil da Internet. Essa última, por exemplo, já estabelece diretrizes para o tratamento de dados infantis, exigindo consentimento parental para coleta e uso dessas informações.
Porém, essas normas ainda não abordam de forma específica o contexto do sharenting, gerando lacunas que o novo projeto visa preencher.
O Projeto de Lei Nº 4776/2023 surge como uma tentativa necessária de equilibrar o direito dos pais à liberdade de expressão com a necessidade de proteger a privacidade e a dignidade das crianças. Embora sua aprovação e aplicação ainda enfrentem desafios, a proposta já representa um importante passo para garantir que o bem-estar digital das crianças seja respeitado.
Após sua apresentação, o projeto foi encaminhado à Câmara dos Deputados para análise, onde já recebeu parecer favorável da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI). Atualmente, aguarda votação final na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) antes de, possivelmente, avançar ao Senado para mais considerações.
Mesmo com a lei ainda em discussão, você já pode tomar medidas para proteger os pequenos:
Pense antes de compartilhar - Avalie se a informação ou imagem é realmente necessária e se pode expor seu filho a algum risco. Nem tudo precisa ser compartilhado.
Limite o acesso - Ajuste as configurações de privacidade das suas redes sociais para que apenas pessoas de confiança vejam as publicações.
Evite informações pessoais - Não divulgue o nome completo, endereço, escola, rotina ou outros dados que possam identificar seus filhos.
Peça permissão – Quando eles forem maiores, converse sobre o que você pretende compartilhar e peça a opinião deles.
Respeite a imagem - Evite fotos ou vídeos que possam constrangê-los. E esteja ciente de que a internet é permanente, nada é realmente apagado depois de publicado uma vez.
Para pais e responsáveis, o momento é de reflexão: compartilhar momentos especiais é comum, mas é preciso ponderar os riscos e priorizar a segurança e a privacidade das crianças. Seja responsável e encontre um equilíbrio.