PLANTÃO 24 HORAS
O debate sobre os limites entre pensamento e crime ganhou destaque recentemente, após o relatório da Polícia Federal, entregue ao Supremo Tribunal Federal, apontar indícios de planejamento para atos golpistas envolvendo 37 pessoas, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. A investigação levanta uma questão jurídica intrigante: até que ponto a intenção ou o planejamento de um crime podem ser considerados puníveis no direito brasileiro?
Embora o simples ato de pensar não configure crime, a materialização desse pensamento em atos preparatórios ou em conversas que fomentem ações ilícitas pode ultrapassar a barreira do aceitável, gerando consequências legais.
No direito penal, o que é punível são ações ou omissões que configuram um fato típico, ilícito e culpável. Ou seja, somente quando a pessoa age (ou deixa de agir, nos casos em que era seu dever agir) é que o direito penal pode intervir.
Por exemplo:
O pensamento é considerado algo interno e subjetivo, que não afeta outras pessoas nem a ordem pública. Assim, ele não é passível de punição.
Quando esse pensamento se transforma em uma ação concreta, que é proibida pelo direito, aí pode haver punição, mesmo que a pessoa não tenha conseguido concretizar todo o seu objetivo criminoso.
Exceção:
De regra, ato preparatório não é punível criminalmente, mas podem existir crimes que punem esses atos de forma autônoma, como é o caso daquele que porta ilegalmente uma arma de fogo para cometer um homicídio, mas é pego antes de encontrar a vítima e efetuar o disparo.
No caso do relatório da Polícia Federal, entendeu-se que houve os crimes de tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal), tentativa de depor, com violência ou grave ameaça, governo legitimamente constituído (art. 359-M do Código Penal) e organização criminosa (art. 2°da Lei n° 12.850/2013), pois foi apontado um plano sendo colocado em prática, já que a viagem do ex-presidente aos Estados Unidos na véspera do fim de seu mandato fazia parte do planejamento. Perceba-se que o enquadramento legal não é por pensar no crime, mas por ter executado atos que fariam parte de uma tentativa de abolir o Estado Democrático e depor o governo.
Se a pessoa apenas contar que está pensando em cometer um crime, isso, por si só, também não é crime. No direito penal brasileiro, não se pune meros pensamentos ou palavras, exceto quando essas palavras configuram um ato ilícito por si mesmas.
Por exemplo:
Confessar um pensamento criminal: Se a pessoa diz a outra que pensa em cometer um crime, isso não configura crime. O direito penal exige que haja uma ação concreta ou, no mínimo, um preparo direto para o crime.
Incitação ao crime (art. 286 do Código Penal): Se, ao falar sobre o pensamento, a pessoa tenta induzir ou incitar outra pessoa a cometer um crime, isso pode ser punível.
Ameaça (art. 147 do Código Penal): Se, ao expressar o pensamento, a pessoa dirige palavras que causem temor a alguém, como "Estou pensando em te machucar", isso pode ser configurado como crime de ameaça.
O direito penal brasileiro busca punir ações concretas que ultrapassam o limite do pensamento e configuram ameaça real ao bem-estar da sociedade. De regra, a conduta criminalizada é uma conduta consumada, ou seja, totalmente concluída, embora, na maioria dos casos, como é possível dividir os atos da execução do crime, seja possível punir a tentativa do crime com uma pena menor. Esse entendimento se aplica a quase todos os crimes, mas aqueles apontados pela Polícia Federal, no relatório final, criminalizam a tentativa de abolir o Estado Democrático e depor o governo (não o ato consumado), sendo uma exceção no sistema jurídico brasileiro.
Embora pensamentos ou confissões isoladas não sejam crime, o planejamento estruturado, a execução de atos preparatórios e as incitações podem transformar ideias em perigo iminente, merecendo atenção da lei. Casos como o investigado pela PF mostram a importância de diferenciar o que é mera especulação e o que representa um risco efetivo, reforçando o papel do sistema jurídico em proteger a ordem democrática e os direitos fundamentais.